Realizou-se ontem no auditório da Federação das Indústrias do Estado do Ceará o III Fórum Internacional Sobre Violência Urbana, promovido pelo Centro Industrial do Ceará e patrocinado pelo Jornal Diário do Nordeste.
Foram palestrantes neste importante evento: o sociólogo colombiano Hugo Acero; o representante para a América Latina e Caribe da America Friends Service Committe, Jorge Lafitte; e, ineditamente neste tipo de evento, um representante das organizações policiais, o Major Plauto Lima Ferreira.
O Plauto é um grande companheiro e amigo, profissional comprometido e pai de família dedicado, pessoa pela qual tenho imensa adimiração, entretanto, apesar de respeitar suas opiniões e teses sobre a problemática da segurança pública, vejo-me obrigado a discordar de alguns pontos apresentados em sua palestra e citados pelo Jornal Diário do Nordeste.
"De acordo com ele (Maj. Plauto), é necessária e urgente uma reforma nas instituições de segurança pública: elas precisam voltar-se para o conceito de segurança cidadã, que ao invés do combate, visa a tranquilidade social, a liberdade de ir e vir nos espaços públicos e a qualidade de vida."
Não é mudando radicalmente a forma de atuação policial , nos moldes defendidos pelo palestrante, que a sociedade vai melhorar o seu perfil comportamental. Não será a polícia que irá mudar a sociedade, mas uma sociedade com mais educação, saúde, emprego, moradia, esportes e cultura quem irá forçar a mudança das instituições policiais.
Não há mais espaço para uma visão academicista retrógrada onde vislumbra-se os órgãos policiais como um ente anti-social. Os profissionais que integram as polícias também são cidadãos participantes do tecido social; sofrem as mesmas influências nefastas da desigualdade social.
Os policiais, bem antes de serem os "opressores da sociedade", são crianças que nascem precariamente em hospitais públicos, que realizam os seus estudos em escolas com carência de professores; são os jovens que não têm opções pela prática de esportes, não encontram locais públicos destinados ao lazer e cultura e, na maioria das vezes, são obrigados a largar os estudos para ajudar no sustento da família. Apesar dos policiais, ao serem admitidos em suas instituições, sofrerem forte influência de uma arraigada "cultura policial", eles são filhos legítimos da sociedade em que vivem.
"O policial está formado para guerra, tem instrução militar, os cursos são de alta complexidade, sobre tiro, luta, o que representa um treinamento inadequado para a atual demanda da sociedade cearense."
Infelizmente, equivocou-se gravemente o companheiro: a demanda da qual ele fala não é a atual, mas sim aquela possível de ser admitida em tempos de paz social. Esta pode ser a visão mais "politicamente correta", aquela que certa parcela da elite gosta de ouvir; a parcela da sociedade mais afetada com a violência quer ver é bandido preso, quer ter o mínimo de tranquilidade para chegar em casa tarde do trabalho e não ver um bandido armado assaltando no ponto de ônbus, o que esta sociedade quer é se sentir segura quando o filho adolescente vai à igreja e não corre o risco de perder a vida em troca de um simples celular.
Vá falar para as famílias das dezenas de policiais mortos em serviço, a maioria por falhas em procedimentos básicos de segurança, que o já tão carente treinamento técnico será substituído pelas teorias da mediação de conflitos. Vá dizer isto aos policiais que diuturnamente têm enfrentado bandidos cada vez mais armados e dispostos ao enfrentamento. Vá dizer isto aos policiais do Rio de Janeiro na atual situação de guerra urbana.
Peço desculpas àqueles que possam se ofender com minhas opiniões, principalmente ao companheiro Major Plauto por discordar de seu pensamento, mas como tenho certeza de que nunca serei convidado a expor minhas ideias em eventos deste tipo, justamente por se contrapor à lógica elitista, aproveitarei este espaço para demonstrar que existem opiniões discordantes e que o debate é o melhor caminho para se chegar a um resultado mais acertado.
PS.: Depois de publicar este texto, recebi um e-mail de um leitor indicando um artigo publicado em junho de 2007 no site Observatório da Imprensa, assinado por José Paulo Lanyi. Transcrevo-o:
A polícia é o povo
Por José Paulo Lanyi em 26/6/2007
Uma das conseqüências da injustiça na distribuição de renda é a transformação da sociedade em um sistema de castas. Temos os que têm, os que estão a serviço dos que têm, os que não têm e os que estão a serviço dos que não têm. Há, também, os que estão a serviço do país e os que estão a serviço de si mesmos – estes transitam de uma casta a outra, em busca de lucro, custe a quem (sic) custar, ou de uma mamata, ou de uma ou outra sinecura.
A concentração exagerada da renda gera poder demais a alguns, em detrimento da maioria. Entre aqueles, há os políticos, responsáveis que são pela feitura e pela execução das leis.
A polícia deve zelar pela ordem pública. Existe para garantir que as leis sejam cumpridas, podendo, em caso de necessidade, fazer uso da força.
No Brasil, a mídia e a população comumente a identificam com o Poder, no que essa afirmação contém de mais oligárquico. É a polícia a serviço dos poucos que detêm muito. É a polícia dos políticos. É a polícia da plutocracia.
Esse olhar tem sido delineado desde há muito, em razão das injustiças e dos excessos perpetrados pelas forças policiais.
Muito se diz acerca dos seus pecados. Pouco daquilo que as levam a cometê-los.
É corrente o pensamento de que muitos bandidos (sem farda) o são porque cresceram na miséria, em meio à violência que se retroalimenta. Dá-se o mesmo, acrescento, no meio policial (entre eles, os bandidos com farda).
Mais: são pessoas que se situam entre a cruz e a espada. Ainda que detenham uma parcela de poder, se originam do povo e se mantêm nessa condição. Ainda que sejam do povo, são vistas pelo próprio povo como agentes dos maus políticos (a maioria) e dos empresários gananciosos (uma parte que se confunde com o todo e tem poder demais).
Polícia nos jornais
Semana passada a polícia esteve em voga nos jornais. Assuntos que mais despertaram a atenção: envolvimento com as mais variadas máfias que se divulgam, dia após dia, Brasil afora, local e nacionalmente; e os camelôs surrados pela Guarda Civil Metropolitana de São Paulo.
Alguma novidade? Sem dúvida, nenhuma.
O jornal Extra procurou mostrar o lado de lá da miséria: fez uma série de reportagens que circundaram a notícia de que "a cada três dias, um policial é assassinado no Rio", como destaca uma das matérias assinadas por Camilo Coelho e Marcos Nunes. Os repórteres deram a dimensão humana de uma tragédia que se multiplica no cotidiano, quase sempre minimizada por jornalistas que a consideram "normal".
O "jornalista médio" pensa exatamente como a média dos seus concidadãos, gente que considera a polícia uma mera extensão das forças dominantes do país. Dificilmente perceberá que esses mesmos policiais estão algemados com a maioria a uma situação predominante: a miséria, a má-formação, os salários baixos, as péssimas condições de trabalho, a sujeição a políticas públicas risíveis, a coação dos poderosos, a neurose coletiva, a frustração de quem se sabe sem futuro.
Eis um tema que precisa ser observado com a profundidade que o contexto exige.
4 comentários:
caro Major Wilson
Seus comentários foram muito pertinentes a respeito do que foi discutido no Fórum. Inclusive postei comentários sobre a matéria em um dos jornais de Fortaleza. Você foi muito feliz em suas argumentaçãoes. Com todo o respeito ao nosso colega Oficial, mas querer afirmar que a formação dos policiais militares e civis é ainda para a guerra, etc, é no mínimo desconhecer que as formações dos policiais foram realizadas pela UNB/Brasília - uma das mais conceituadas instituições do país e pela Universidade Estadual do Ceará, centro de excelência acadêmica do nosso Estado. Não vamos querer "embromar" o povo e os policiais linha de frente.
Coronel PMCe Paula Neto - Mestre em Planejamento de Políticas Públicas
Cel. Paula Neto.
É muito bom ver uma pessoa com a sua bagagem profissional e cultural acompanhado o Sobrevivência Policial. Obrigado pelos comentários.
Bem, não policial, porém pretendo ser, se não PF quem sabe passo a ser seu colega no bpCHOQUE.
Concordo plenamente com você nas contraposições.
Policial tem que entender mais de conflito que bandido, treinamentos complexos de tiro, defesa pessoal, entradas tática, progressão etc.. são o que faz a diferença, é a vantagem do policial em relação ao bandido.
Policial tem que estar preparado para a pior situação, "treino duro, luta fácil", senão teremos uma geração de policiais que hesitarão no momento H, e como sabemos esta é uma profissão que não se admite erros.
Forte abraço
ps: quando lançará o segundo livro?
Discordo plenamente que a atual formação do Policial Militar no Ceará é voltada para guerra, demos um salto enorme nos últimos anos em relação a formação Policial Militar em nosso estado, com a contratação da UNB para gerenciar e modernizar o ensino PM, para ingressar no CFO somente com nível superior, introdução nos cursos de formação da Filosofia de Polícia Comunitária, mesclando instrutores civis e militares fugimos do estereótipo de sermos treinados para a guerra, muito embora táticas de guerra são perfeitamente usáveis e utilizáveis à atividade Policial. Conheço o Major Plauto e o respeito muito pelo profissional que ele é, mas na minha opinião, ambos tem razão, pois, a Polícia é PREVENTIVA(rondas, mediação de conflitos, etc) e REPRESIVA(operações em áreas de risco, enfrentamento a assaltantes, etc), não podemos enaltecer uma das características acima em detrimento da outra, precisamos tanto de Policiais Comunitários, quanto de Policiais treinados em Operações Especiais, de Policiais da Cavalaria, do Canil, etc, vejamos o que está acontecendo no interior do Estado, essa onda de assaltos a Bancos onde os criminosos "cercam a cidade com armas de guerra,rendem os Policiais, algumas vezes usam dinamites para arrombar os bancos, usam os moradores como reféns e escudos humanos,agem encapuzados em bandos de 10 criminosos,na fuga atiram para amendrontar as pessoas e atiram na Viatura PM para evitar perseguição", Modus Operandi de Guerrilha, se não tivermos homens preparados em contra-guerrilha como podemos combater esses criminosos de igual para igual? como disse o Ministro da Defesa, que é CIVIL, não podemos dirigir e seguir em frente olhando pelo retrovisor, As Polícias Militares não são mais como na época da Ditatura,evoluiram muito e falta ainda muito, porém, não podemos ignorar o caráter repressivo da Polícia, na ânsia de querermos mostrar que a Polícia não age mais como na Ditadura. Parabéns pelos exelentes artigos, e faço uma proposta para o senhor criar um fórum no blog com o seguinte tema:" Desmilitarização das Polícias Militares e unificação das Polícias, opine"
Força e Honra
Cap PM Colares
Caveira 142
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