Lendo um trabalho intitulado A Crise de Identidade das Polícias Militares Brasileiras: Dilemas e Paradoxos da Formação Educacional, de autoria da Socióloga Jacqueline Muniz (Mestre em Antropologia Social e Doutora em Ciência Política), apresentado no Center for Hemispheric Defense Studies – Washington DC, lembrei-me de uma situação, em uma reunião de oficiais no QCG, onde um Coronel, que valoriza de forma doentia seu bacharelado em Direito, talvez por conta de reconhecer suas limitações profissionais, afirmou que haveria a necessidade de se reunir os oficiais formados em Ciências Jurídicas para discutir uma solução para os problemas enfrentados pela segurança pública de nosso Estado. Eu, como pesquisador dos temas relacionados à segurança pública, sentindo na pele todos os dias a ação da criminalidade e o crescimento da insegurança, visualizando as carências sociais e o desinteresse dos governantes com os mais pobres e necessitados, acompanhando de perto o quase descaso com a situação profissional de nossos policiais...apenas sorri deste senhor.
Mas voltando ao trabalho da Dra. Jacqueline Muniz, transcrevo um trecho de interesse:
“O conhecimento, ainda que qualificado, das firulas jurídicas penais (incluindo aí as formas de processamento das leis criminais) não é suficiente para informar o perfil desejável de um patrulheiro que atua em todo tipo de problemas, conflitos e desordens - os quais, ou não possuem, em sua maioria, uma tradução na rationale jurídica, ou não se configuram como realidades propriamente criminais. As atividades de polícia ostensiva - majoritariamente preventivas - estão circunscritas pela legalidade, mas, em boa medida, colocam-se em um momento anterior à conformação de um ato difuso em um fato criminal propriamente dito. Mesmo naquelas ocorrências tipificadas como “crime em andamento”, o conhecimento formal das leis penais parece ser pouco relevante para orientar um PM a escolher, com rapidez e discernimento, o melhor curso de ação a ser adotado. Afinal, a identificação de uma circunstância como legalmente criminosa não elimina a dimensão contingente das interações entre policiais e cidadãos. Na prática ostensiva, os conhecimentos penais tornam-se, portanto, uma ferramenta limitada, principalmente quando se trata de instruir os policiais a adotarem uma estratégia de ação ou a decidirem qual recurso tático é mais adequado às circunstâncias em que se está atuando. Por outro lado, como a polícia ostensiva está sempre engajada no atendimento de ocorrências difusas e heteróclitas que interferem diretamente na produção pública de ordem como, por exemplo, o resgate de um alienado mental, a condução de uma parturiente, a retirada de um bêbado ou uma querela de vizinhos, a aplicação estrito senso dos expedientes penais pouco pode auxiliar nos processos cotidianos de tomada de decisão policial, mostrando-se residual e, no limite, pouco provável.
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Além de não recobrir o conteúdo interdisciplinar necessário ao profissional de polícia ostensiva, uma formação policial voltada, quase que exclusivamente, para as ciências jurídicas, parece ter contribuído para o reforço de uma visão criminalizante da ordem pública, extremamente danosa aos serviços ostensivos de polícia.”